Desculpa Primo


 O meu primo Vitor, meu grande amigo e companheiro desde que éramos ambos muito novos, cedo manifestou interesse pela política e se auto proclamou comunista. Nessa altura também eu começava a ter as minhas opiniões políticas e tínhamos grandes discussões porque ele afinava pela “cassete” de  Álvaro Cunhal e eu achava que eu  era um grande livre pensador.
Não me recordo exactamente da data, mas lembro-me que a determinada altura deixei de alimentar tais discussões e julgo que a razão de ser se prendeu com a última discussão que tivemos.
Á data um avião de passageiros que sobrevoava a então URSS tinha sido abatido tendo morrido todos os passageiros. E eu certo de que aquela era a razão suprema para o afastar de tais convicções, confrontei-o com aquela realidade. Pois como podia ele ser comunista um partido que alinhava pelos ditames da URSS quando esta Federação se permitia abater aviões cheios de gente inocente?
Depois de acesa discussão no final ele puxa pelo trunfo maior: Como sabia eu que tinha havido mesmo o abate de um avião e que quem o tinha abatido  tinha sido mesmo a URSS? Respondi-lhe que vinha em todos os jornais por isso tinha que ser verdade. E ele retorquiu: sim, mas isso podia ser invenção da imprensa ocidental sempre pronta a condenar a URSS por tudo e por nada e faze-la responsável de todos os males do mundo mesmo sem provas. Depois deste argumento nunca mais discutimos, achava eu que era tempo perdido o meu primo estava perdido para o comunismo e tresloucado ainda por cima descria da imprensa livre. Suprema blasfémia.
Vem isto a propósito de, recém chegado da Europa, mais precisamente Portugal, ali ter assistido a todo o tipo de tropelias informativas sobre o que se passa em Hong Kong. A versão que por lá corre fala em polícias maus e manifestantes bons que se limitam a defender-se dos abusos policiais. Mostrando-se apenas uma visão parcial dos acontecimentos, no fundo aquela que mais serve aos interesses ocidentais, e está brilhantemente ilustrada naquela fotografia em que os jornalistas focam as suas objectivas num Polícia de Hong Kong que protegido pela esquina de um prédio aponta a sua arma não se sabe bem a quem. E isto é na Europa, segundo me disse um amigo no EUA é ainda mais grave, ali deixou de haver a informação, para passar a haver apenas propaganda.
Por isso me lembrei do meu primo, que mais esclarecido e mais sábio há quarenta anos já sabia disto e me o disse. Afinal quem tinha razão era ele, tinha ou o tempo veio a dar-lha.
Cabe-me pois, humildemente pedir desculpa: Desculpa lá oh Primo. 

P.S. - Mais uma crónica que tendo sido escrita há algum tempo, ainda se podia viajar, só agora publico. Acho que continua actual, a propaganda não será a mesma, anda agora à volta do corona vírus, de quem o fabricou ou de quem tem culpa que ele se tenha disseminado, ou então do acerto ou desacerto das medidas tomadas para o combater. Mas continua a humildemente ter que pedir desculpa ao meu primo.

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